É comum ver a imprensa local, especialmente em cidades menores, destacar com entusiasmo a inauguração de obras, entrega de equipamentos ou anúncios de investimentos feitos por gestores públicos. Até aí, tudo bem: informar a população sobre os avanços da administração é parte do papel da mídia. O problema está quando o jornalismo se limita apenas a isso, como se reconhecimento institucional fosse sinônimo de elogio pessoal.
A verdade é que cumprir o papel de gestor não é motivo de celebração, mas de reconhecimento técnico baseado em dados e comparações com gestões anteriores. Não se trata de negar os avanços ou ignorar melhorias; trata-se de entender que gestão pública não é um favor, é uma obrigação. Elogios devem ser reservados a ações voluntárias, altruístas ou transformadoras — aquelas que, de fato, causam um impacto coletivo e positivo que vai além do esperado.
Como especialista em gestão pública, posso afirmar com propriedade: toda gestão tem falhas e, em algum nível, sempre haverá risco de corrupção. Não importa o tamanho da cidade. O que muda é o quanto a população está atenta e o quanto a imprensa está disposta a apurar. Muitas vezes, enquanto obras chamam a atenção da sociedade, os bastidores abrigam contratos irregulares, licitações direcionadas ou gastos excessivos que passam despercebidos.
É justamente por isso que a imprensa não pode abrir mão de seu papel fiscalizador. Ela pode – e deve – noticiar o que está sendo feito, mas jamais se omitir na verificação de como e com que recursos aquilo está sendo realizado. Comparar números, analisar dados, cruzar informações, ouvir diversas fontes… tudo isso faz parte da missão jornalística.
Infelizmente, há ainda quem repita o velho ditado popular: “rouba, mas faz”. Esse tipo de mentalidade, ainda presente em muitas cidades do interior, é um dos maiores inimigos da boa política. A verdade que precisa ser dita com firmeza é: não há justificativa para a corrupção. Nenhuma obra ou benfeitoria compensa a violação da lei e o desvio de recursos públicos. Leis existem para serem cumpridas. E a gestão deve ser ética em todas as áreas, não apenas nas que rendem boas fotos e manchetes.
A imprensa, portanto, deve estar a serviço da sociedade, e não da gestão da vez. Dar visibilidade ao que importa, mesmo que isso desagrade quem está no poder, é um dever. O jornalismo não existe para agradar. Existe para informar, esclarecer, investigar e cobrar. Ser imparcial não é ser neutro. É ser justo e coerente com os fatos.
Que o reconhecimento venha, sim — mas com base em resultados, comparações e análise crítica. E que a crítica nunca seja abandonada em nome de uma suposta gratidão por aquilo que é apenas dever.